A Igreja Matriz de Caçapava decorada para a celebração de um matrimônio. |
Antes de deitar pensei: "Não vou passar o domingo dormindo neste hotel". Se acordasse tarde, perderia boa parte do dia na fila do check-out. Logo cedo tomamos um café da manhã reforçado e levei minha filha para conhecer Campos do Jordão, no alto da Serra da Mantiqueira. O sol nos acompanhou em todas as passagens.
Paramos um pouco na Ducha de Prata, que hoje não é mais de prata, mas talvez de alumínio anodizado. Seguimos então para o Pico do Itapeva, com 2.025 metros de altitude, invadindo o município de Pindamonhangaba em apenas 35 metros. Vimos algumas nuvens sob nossos pés sombreando alguns bairros das cidades que conseguíamos avistar dali.
Torres e retransmissores horrendos num lugar idílico: o ser humano consegue estragar tudo. |
E toca para o outro lado da região, indo quase ao sul de Minas Gerais, para almoçar no Horto Florestal. O prato do dia: truta com alcaparras, batata assada com queijo, salada agridoce, feijão, arroz e farofa. Criatividade zero. Sabor perto da nota dez, capaz de nos lembrar do sono acumulado. Por isso não estacionei no Capivari: o cappuccino mais caro do hemisfério não seria capaz de me despertar a contento. Bebi o café no pé da serra, abastecendo o carro.
O Horto Florestal de Campos do Jordão: um recanto bom para nada fazer, só contemplar. |
Podia parar na casa das tias em Caçapava, para cochilar um pouco, mas resolvi tocar direto para Paulínia, ouvindo U2, Keane e Oasis. Quando deu cinco horas da tarde decepcionei minha esposa, passando por Nazaré Paulista: liguei o rádio para ouvir o jogo do Palmeiras, que neste ano tem chances reais de ser campeão brasileiro.
Que diferença de som! Ao invés dos acordes harmoniosos de Noel Gallagher, a voz de um locutor em ebulição, falando velozmente como se o mundo fosse acabar e ele tivesse que contar tudo o que sabe. É impossível compreender o jogo assim e não entendo a razão pela qual os narradores de futebol do rádio insistem neste expediente.
Quando passamos ao lado de um morro com elevações de pedras cortadas para aplainar a estrada, as estáticas emanadas pelas ondas de rádio me levaram a fazer uma viajem no tempo, dentro da viajem no carro. Subitamente me vi no banco traseiro da Belina do meu pai, de quem herdei as preferências futebolísticas e o hábito irritante (para os demais) de ouvir os jogos pelo rádio.
Nos difíceis anos de 1980 o Palmeiras invariavelmente perdia as grandes decisões, o que deixava aquelas viagens de carro ainda mais longas. Eu ouvia aquelas transmissões meio a contragosto. Parecia estar envolto numa nuvem de pernilongos atazanando meus ouvidos. No maio daquele zumbido geral alguém gritou gol:
- GOOOOOOOOOOOO...
"Gol do Palmeiras?" - Perguntei.
- OOOOOOOOOOOOO...
"Fica quieto." - Meu pai respondeu.
- OOOOOOOOLLLLLL...
"De quem? De quem?" - Indaguei.
"Calaboca!" - Ouvi de meu pai.
Aquele hiato de silêncio foi angustiante, até que o narrador, depois de recuperar o fôlego, entregou:
- DO SÃO PAAAAAULO!
Só deu tempo do meu pai resmungar antes de desligar o rádio: "Taquilparil."
Naquela época o goleiro Zetti não era capaz de deter o atacante Müller, quando a zaga do Verdão deixava ele sozinho na área.
O rádio no painel do carro: nosso companheiro de viagens. |
Percebi que aquela transmissão estava sendo um suplício para minha esposa. Sorte que a menina já estava dormindo na cadeirinha. "O Palmeiras vai ganhar e dará tempo de ver o final do jogo na TV, ao chegar em casa" - Pensei, confiante.
Então coloquei o CD do Supertramp. Adivinha que música tocou?
"Take The Long Way Home".
P.S. 1: sim, o Palmeiras ganhou, mas dormi sem ver o "Mesa Redonda".
P.S. 2: "Crepúsculo de jogo" é uma expressão cunhada por Fiori Gigliotti, o maior locutor que o futebol já teve.
Veja também:
Pons tempos, quando o São Paulo ganhava do Palmeiras.
ResponderExcluirBela crônica.
Os tempos sempre são bons, caro Ênio. Eles são sempre coerentes: sempre passam.
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