Estudei em escola pública até a antiga sétima série. Fiz a primeira série, e parte da segunda, na escola Mascarenhas em Paulínia, que fica perto do rio Atibaia. É irônico constatar, só agora, que a sala da primeira série era a última do prédio, lá no fundão, sobre um barranco.
Entre dois blocos de salas havia um corredor a céu aberto que descia para um porão, onde funcionava uma cantina improvisada. A merenda era de graça e, mesmo assim, havia fila de crianças para comprar doces na hora do recreio.
Eu apreciava a sopa de macarrão com caldo de feijão, a polenta, o arroz temperado e o cachorro quente. Mas Cacilda, eu queria me sentir gente também, comprando um doce na cantina. Um dia pedi uns trocados para minha mãe.
O sinal tocou e fui correndo para a cantina. Porém, a fila já estava grande demais e andava muito devagar. Minha ansiedade foi aumentando enquanto via outras crianças brincando após terem saciado a fome. Quando chegou a minha vez de ser atendido fiquei indeciso, até que escolhi um pacote de pipocas doces.
Você já abriu um pacote de pipocas doces?
Eu não sabia como abrir aquilo. Tinha apenas sete anos. O plástico rosa era resistente demais. Peguei em duas abas salientes e creio que fiz força demais, pois o pacote não abriu: ele estourou. POW!
As pipocas foram voando, em câmera lenta, para o alto. Enquanto isso, pescoços se viravam para que os olhos de seus pequenos donos pudessem ver o que tinha acontecido.
Quando as primeiras pipocas atingiram o cimentado áspero daquele corredor, feito cartuchos de balas deflagradas, os primeiros dedos indicadores foram apontados na minha direção.
Preparar, apontar, fogo!
Quando me ajoelhei para pegar algumas pipocas que caíram por perto, as gargalhadas começaram a ecoar dentro da minha mente, feito rajadas de metralhadoras num filme de Sergio Leone.
O sinal tocou de novo. Tínhamos que voltar para a sala de aula. Eu havia perdido meu recreio tentando comprar um pacote de pipocas doces que estourou em minhas mãos. Lembro de ter saboreado dois ou três grãos. Na verdade não teve gosto de nada, pois estava tentando engolir a minha vergonha.
Se fiquei traumatizado? Claro que não. Adoro pipocas doces, mas detesto filas. Quando vou ao shopping com a família, vejo filas de pessoas para comprar sorvete no quiosque do Méqui Donalson. Não consigo entender aquilo - prefiro a sorveteria do lado, quase sempre vazia.
Queria poder extrair uma lição prática de tal episódio na época, mas somente muitos anos depois pude compreender que, se a gente se planejar, consegue evitar o desperdício de tempo, estudando alternativas viáveis.
Minha mãe já sabia disso, embora nunca tenha me dito nada. No dia seguinte do estouro do pacote da pipoca, ela me fez um misto quente com pão prensado em formas piramidais, e embrulhou na minha mochila.
Quando saquei aquela iguaria na hora do lanche, a criançada que riu de mim no dia anterior me rodeou, pedindo para experimentar um pedacinho daquele sanduíche, que acabou rapidinho.
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