Mais listas? Ah, não! |
A minha abordagem sobre o tema das listas rendeu uma provocação: recebi um e-mail com o link para a reportagem da GQ com o título "Os 10 arquitetos mais desejados do Brasil". O remetente queria saber minha opinião a respeito.
A primeira associação que me veio em mente após ler o artigo - na verdade mais uma lista - foi de uma revista que circula gratuitamente na pequena cidade onde moro, que de tempos em tempos promove a premiação dos melhores profissionais de diversos ramos no município. Por coincidência eles são também os seus anunciantes. A lista da GQ me lembrou isso: um plubieditorial, ou seja, uma matéria paga por alguma agência de publicidade com o objetivo de divulgar produtos e serviços - no caso, a ação promocional está associada com a marca de relógios de luxo Bulgari Roma.
Na magra introdução da lista, a publicação deixa claro que não usou um critério técnico ou científico de escolha: "Há uma nova geração com notório sucesso e estilos bem demarcados arrebatando a preferência de muita gente. Os 10 arquitetos escolhidos pela GQ..."
Traduzindo: a revista usou como fonte da matéria o universo contido na expressão "muita gente" - algo tão vago como o que preenche a distância entre um elétron e o núcleo de um átomo. Na sequência a clareza é explícita: "Os 10 arquitetos escolhidos pela GQ..." - Então o título da matéria deveria ser outro, pois a GQ não responde pelo Brasil inteiro.
Ainda na introdução, um trecho que me assustou: tais arquitetos "têm o reconhecimento do mercado brasileiro e já podem ser apontados como mestres do amanhã." Agora estou me sentindo um peixe fora da água: tenho mais de 20 anos de atuação na Arquitetura e com todo respeito, nunca ouvi falar de alguns nomes mencionados na lista, e esses desconhecidos serão meus mestres em breve? Acho que não.
Quando a lista propriamente dita começa, você imagina que vão citar critérios importantes para a escolha dos novos bam-bam-bans da Arquitetura, como vencer um concurso do IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil, o uso de ecotécnicas de conforto térmico ambiental, a pesquisa em economia de energia elétrica, o aproveitamento de águas pluviais, a obsessão pela acessibilidade plena das construções, as propostas de intervenções urbanas nos centros das metrópoles, o desenvolvimento de projetos de alcance social, ou algo do gênero.
Mas não, a lista oferece um balde de trivialidades, como o fulano que frequenta bares do Leblon, no Rio de Janeiro, ou aquele que era surfista desde garoto mas agora pratica kitesurfe. Projetar para atrizes e escritores de novelas da Rede Globo é apontado como um ápice na profissão. Um dos arquitetos trabalhou, vejam só, para Luciano Huck, como se este fosse uma referência entre os críticos da Arquitetura - e a julgar por seu programa de televisão, que entre uma futilidade e outra reforma casas e carros, o senso estético do apresentador é bem cafona.
OK, alguns arquitetos estagiaram com gênios do ofício, como Paulo Mendes da Rocha e Isay Weinfeld, mas se o critério adotado pela revista GQ for mesmo válido e reconhecido pela classe, então a Arquitetura Brasileira vive uma crise de identidade sem precedentes, senão vejamos: nenhum arquiteto da lista mantém escritório fora do triângulo Rio-São Paulo-Minas. Como assim? Nenhum arquiteto da Região Sul é relevante? Ninguém do Norte e Nordeste? Nem do Centro-Oeste? Os arquitetos queridinhos da GQ são desejados nestes estados"periféricos" também?
De acordo com o CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo, 60% dos registros profissionais já pertencem às mulheres. Pois é, nenhuma delas figura na lista da GQ entre as arquitetas mais desejadas do Brasil. Só por tal aspecto, a lista da GQ poderia ser apontada como uma bela patuscada, o que de fato foi.
Quando li a matéria fiquei intrigado. Achei que tinha alguma coisa errada. Este texto esclarece muita coisa
ResponderExcluirA revista fez uma lista parecida, porém mais restrita, sobre colecionadores brasileiros de carros antigos. Muita gente do ramo discordou.
ExcluirBelo texto Jean! Esclarecedor e com uma boa provocação ao método "quem pagar bem leva à fama" que por sinal já conhecemos bem aqui em território paulinense né amigo?��
ResponderExcluirCaro Rogerio, não há nada de errado em publicar revistas promocionais, elas são válidas. O que precisa ficar claro para os leitores são os objetivos delas. Abraço!
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