terça-feira, 12 de julho de 2016

O critério subjetivo da revista GQ para eleger os arquitetos mais desejados do Brasil

Mais listas? Ah, não!
Mais listas? Ah, não!

A minha abordagem sobre o tema das listas rendeu uma provocação: recebi um e-mail com o link para a reportagem da GQ com o título "Os 10 arquitetos mais desejados do Brasil". O remetente queria saber minha opinião a respeito.

A primeira associação que me veio em mente após ler o artigo - na verdade mais uma lista - foi de uma revista que circula gratuitamente na pequena cidade onde moro, que de tempos em tempos promove a premiação dos melhores profissionais de diversos ramos no município. Por coincidência eles são também os seus anunciantes. A lista da GQ me lembrou isso: um plubieditorial, ou seja, uma matéria paga por alguma agência de publicidade com o objetivo de divulgar produtos e serviços - no caso, a ação promocional está associada com a marca de relógios de luxo Bulgari Roma.

Na magra introdução da lista, a publicação deixa claro que não usou um critério técnico ou científico de escolha: "Há uma nova geração com notório sucesso e estilos bem demarcados arrebatando a preferência de muita gente. Os 10 arquitetos escolhidos pela GQ..."

Traduzindo: a revista usou como fonte da matéria o universo contido na expressão "muita gente" - algo tão vago como o que preenche a distância entre um elétron e o núcleo de um átomo. Na sequência a clareza é explícita: "Os 10 arquitetos escolhidos pela GQ..." - Então o título da matéria deveria ser outro, pois a GQ não responde pelo Brasil inteiro.

Ainda na introdução, um trecho que me assustou: tais arquitetos "têm o reconhecimento do mercado brasileiro e já podem ser apontados como mestres do amanhã." Agora estou me sentindo um peixe fora da água: tenho mais de 20 anos de atuação na Arquitetura e com todo respeito, nunca ouvi falar de alguns nomes mencionados na lista, e esses desconhecidos serão meus mestres em breve? Acho que não.

Quando a lista propriamente dita começa, você imagina que vão citar critérios importantes para a escolha dos novos bam-bam-bans da Arquitetura, como vencer um concurso do IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil, o uso de ecotécnicas de conforto térmico ambiental, a pesquisa em economia de energia elétrica, o aproveitamento de águas pluviais, a obsessão pela acessibilidade plena das construções, as propostas de intervenções urbanas nos centros das metrópoles, o desenvolvimento de projetos de alcance social, ou algo do gênero.

Mas não, a lista oferece um balde de trivialidades, como o fulano que frequenta bares do Leblon, no Rio de Janeiro, ou aquele que era surfista desde garoto mas agora pratica kitesurfe. Projetar para atrizes e escritores de novelas da Rede Globo é apontado como um ápice na profissão. Um dos arquitetos trabalhou, vejam só, para Luciano Huck, como se este fosse uma referência entre os críticos da Arquitetura - e a julgar por seu programa de televisão, que entre uma futilidade e outra reforma casas e carros, o senso estético do apresentador é bem cafona.

OK, alguns  arquitetos estagiaram com gênios do ofício, como Paulo Mendes da Rocha e Isay Weinfeld, mas se o critério adotado pela revista GQ for mesmo válido e reconhecido pela classe, então a Arquitetura Brasileira vive uma crise de identidade sem precedentes, senão vejamos: nenhum arquiteto da lista mantém escritório fora do triângulo Rio-São Paulo-Minas. Como assim? Nenhum arquiteto da Região Sul é relevante? Ninguém do Norte e Nordeste? Nem do Centro-Oeste? Os arquitetos queridinhos da GQ são desejados nestes estados"periféricos" também?

De acordo com o CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo, 60% dos registros profissionais já pertencem às mulheres. Pois é, nenhuma delas figura na lista da GQ entre as arquitetas mais desejadas do Brasil. Só por tal aspecto, a lista da GQ poderia ser apontada como uma bela patuscada, o que de fato foi.

4 comentários:

  1. Quando li a matéria fiquei intrigado. Achei que tinha alguma coisa errada. Este texto esclarece muita coisa

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    1. A revista fez uma lista parecida, porém mais restrita, sobre colecionadores brasileiros de carros antigos. Muita gente do ramo discordou.

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  2. Belo texto Jean! Esclarecedor e com uma boa provocação ao método "quem pagar bem leva à fama" que por sinal já conhecemos bem aqui em território paulinense né amigo?��

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    1. Caro Rogerio, não há nada de errado em publicar revistas promocionais, elas são válidas. O que precisa ficar claro para os leitores são os objetivos delas. Abraço!

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